Mediunismo Oracular
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Oráculo de Ifá no culto africano |
Escrito por J Herculano Pires
Os oráculos dominam todo o horizonte civilizado. Constituem, praticamente, o centro de orientação de toda a sua vida urbana e rural, política e religiosa. Mas que são os oráculos? Sua definição não é muito fácil, o que mostra a natureza transitória dessas instituições religiosas. As antigas formas de relações
mediúnicas estão em trânsito para novas formas, e por isso mesmo apresentam, na sua constituição oracular, evidentemente sincrética, motivos para diferentes interpretações, dificultando a sua definição.
O oráculo é às vezes a própria Divindade, outras vezes a resposta dada às consultas, o santuário ou templo, o médium que atende aos consulentes, ou o local das consultas: um bosque sagrado, uma gruta misteriosa, uma fonte miraculosa. A palavra serve para designar todas essas coisas, uma de cada vez, ou todas em conjunto. Porque a mentalidade popular não sabe ainda distinguir a força misteriosa que age, nem os seus meios de ação. A Divindade pode falar por si mesma, como pode estar encarnada no santuário, no templo, na trípode, na pitonisa ou nos elementos da natureza.
Os oráculos são procurados por todos: reis e sábios, guerreiros e comerciantes, homens e mulheres do povo. Nisso, estão, todos de acordo, porque todos reconhecem e respeitam a presença de uma força sobrenatural nesses. locais sagrados. A “lei de adoração”, de que trata Kardec, atinge fios oráculos uma forma de síntese, reunindo as conquistas efetuadas ao longo de sua evolução nos horizonte anteriores. Estão ali presentes, e mescladas, as formas sucessivas de desenvolvimento da lei, que encontramos nos horizontes tribal e agrícola. A concepção anímica do mediunismo primitivo, o culto dos ancestrais, a deificação dos elementos naturais, podem ser facilmente identificados. Os próprios elementos larvares, rudimentares, da magia e da religião, estão ali presentes: a litolatria, a fitolatria, a zoolatria, na adoração de pedras, de águas, de árvores e bosques, de animais e divindades semianimais. Por outro lado, as conquistas mentais do homem, na longa evolução que realizou, desde a era tribal até a civilização, constituem a força aglutinadora desses elementos. A capacidade de abstração mental, o desenvolvimento ético e a formulação de normas jurídicas, responsáveis pela individualização, modelam os elementos aglutinados, dando assim uma estrutura complexa ao processo de comunicação mediúnica.
O fenômeno natural, de intercâmbio mediúnico, artificializa-se. O processo de racionalização, por outro lado, exige a elaboração de cosmogonias. Os oráculos não são, portanto, formas simplórias de culto religioso, ou simples locais de consulta mediúnica. Sua estrutura, muitas vezes bastante complicada, alicerça-se numa concepção do mundo. A natureza vaga dessa concepção corresponde à própria natureza sincrética da instituição oracular. O fenômeno mediúnico aparece nela como um mistério. Nada o explica, nem pode explicá-lo, nem deve atrever-se a tanto. O tabu tribal se impõe de maneira mais vigorosa e mais ampla, agora desenvolvido numa forma racional, que é a concepção do sagrado. A humanidade se encontra, nessa fase, como um adolescente, que reelabora em seu íntimo os sonhos, os temores e as esperanças provenientes das primeiras visualizações do mundo exterior.
A fase infantil de indiferenciação psíquica, vivida coletivamente no horizonte tribal, exerce ainda a sua influência sobre as cosmogonias oraculares. Curioso notarse que não há, nos oráculos, aquilo que chamaremos de individualização mediúnica. Embora exista o médium, ora chamado de oráculo, ora de pitonisa, e embora exista uma entidade comunicante, as mensagens são dadas através de processos impessoais. Às vezes, é o murmúrio da fonte que responde ao consulente; de outras vezes, é o rumorejar do bosque ou os sons misteriosos de uma gruta; e quando o médium responde diretamente, sua resposta imita os rumores confusos da natureza. Em todos os casos, a resposta depende da interpretação
sacerdotal. Há, portanto, um corpo de sacerdotes que responde, de maneira coletiva, às consultas oraculares. As exceções representam casos de avanço do processo evolutivo, no sentido da individualização. O mediunismo oracular é, portanto, uma forma de transição para o culto individual dos Espíritos, que por sua vez exigirá a individualização mediúnica, já definida em casos típicos, como o da Pitonisa de Endor, de que nos fala a Bíblia.
A História das Religiões nos mostra que o culto dos ancestrais foi inicialmente coletivo, os espíritos dos mortos considerados em conjunto e assim adorados, como no caso dos parentum e dos manes romanos. A individualização se efetua lentamente, evoluindo as coletividades humanas, como crianças em desenvolvimento, da “indiferenciação psíquica” para as fases superiores da racionalização. Os oráculos representam, no horizonte civilizado, esse momento de transição.
Extraído do livro O Espírito E O Tempo - Capítulo III - Horizonte Civilizado: Mediunismo Oracular
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