Allan Kardec e o Método - Capítulo III
No desempenho dessa missão, isto é, na formação do espiritismo, Allan Kardec seguiu um método, que é indispensável mostrar aqui.
A questão de saber se na verdade os espíritos existiam, se eram as causas dos fenômenos, ficou resolvida, não pela simples credulida-
de, mas pela observação e pelo estudo atento.
Já se vê que Allan Kardec não procedia nas suas investigações como vinham já procedendo certos homens de ciência, procurando fazer experiências de laboratório com fenômenos que produziam efeitos visivelmente inteligentes, dando lugar a se admitir que as causas deviam ser inteligentes e independentes.
Afirmando isso, não quero dar a entender que Allan Kardec repudiava o movimento científico que nascia. Nem ele procurava desprestigiar a ciência, de que era um cultor, nem o sábio. Julgava apenas que os processos empregados no exame dos fatos eram falhos: – “As ciências vulgares, alegava ele, repousam sobre as propriedades da matéria, que se pode experimentar e manipular à vontade; os fenômenos espíritas repousam sobre a ação de seres inteligentes, que possuem vontade própria e nos provam a cada momento não estarem sujeitos ao nosso capricho. As observações não podem, portanto, ser feitas do
mesmo modo; requerem condições especiais e outros pontos de partida; querer submetê-las aos nossos processos ordinários de investigações, é criar analogias que não existem.”
Ele dizia então, e com razão, que qualquer que fosse o juízo da ciência sobre o espiritismo, favorável ou desfavorável, não poderia decidir de seus destinos. Embora julgasse que o espiritismo devia andar sempre de acordo com a ciência, concluía que o espiritismo para
viver não dependia da ciência.
Allan Kardec, Le Livre des Esprits, Introduction; Le Livre des Médiuns, n° 31.
Sabe-se que as manifestações espíritas não são fatos novos. Elas sempre existiram, sempre foram reconhecidas mais ou menos em toda parte. Pode-se dizer que seus vestígios estão nas religiões e nas literaturas de todos os povos. Mas nunca houve época na história em que elas tivessem aparecido com tanta intensidade, com tanta profusão, com tanta insistência, por assim dizer, como naquela justamente em que foi constituído o espiritismo moderno. Foi com este
movimento que se ficou definitivamente sabendo da existência de mundo ou plano invisível, da natureza de seus habitantes, de seus costumes, de suas relações constantes com um mundo sensível, da ação recíproca de um sobre o outro, do destino, enfim, que tem o
homem depois da morte.
Foram essas manifestações — já aqui falo, somente das manifestações intelectuais — consideradas como revelações parciais, que concorreram para a formação da doutrina, que é hoje o espiritismo e que um dia fará a unidade das crenças.
Comunicando-se em toda parte e discutindo todos os assuntos, os espíritos foram preparando uma massa enorme de fatos. Conquanto não pudessem revelar tudo, nem tudo explicar, eles muito revelavam e muito explicavam. Ao mesmo tempo, Allan Kardec os interrogava a respeito de tudo aquilo que tinha utilidade e podia trazer ensinamentos, sobre coisas da ciência, da filosofia e da moral, coisas, principalmente, que interessavam diretamente ao presente e ao futuro da humanidade. As respostas eram sempre exatas e muitas vezes profundas.
Ele levava para as sessões um caderno inçado de notas, de que fazia um questionário. Ia recolhendo também comunicações onde as
podia encontrar e coligia as que lhe enviavam os correspondentes.
Tudo observava. Sobre tudo meditava. Um dos primeiros resultados de suas observações foi que os espíritos, sendo as almas dos homens,
“não tinham a soberana sabedoria, nem a soberana ciência; que seu saber estava limitado ao grau de adiantamento de cada um e que suas
opiniões só tinham o valor de opiniões pessoais; que, portanto, não eram infalíveis, preservando-o, assim, de formular teorias prematuras sobre o dizer de um ou de alguns. Ele notava que “cada espírito só lhe podia patentear uma fase do mundo espiritual, segundo sua opinião e seus conhecimentos, do mesmo modo como se chega a conhecer o
estado de um país, interrogando seus habitantes de todas as classes e condições, podendo cada um ensina alguma coisa e nenhum individu-
almente ensinar tudo.”
Ele, porém, tudo fazia com método. Ajuntando esses documentos, verificava-os. Reunia os fatos similares e os coordenava, comparava-os, classificava-os. Nunca erigia princípios antecipadamente ou preconcebia teorias. Ao contrário, deduzia tudo desses fatos. E não era somente de alguns fatos que ele tirava uma conclusão definitiva, uma ideia geral. Era preciso que numerosas comunicações fossem dadas sobre um mesmo assunto e em muitos pontos, para ter lugar uma indução. Dessa maneira, ele podia afirmar que tal estado era uma fase da vida espírita.
Estabelecia-se assim, com a análise comparada desses fatos, uma concordância geral, tornando-se um critério profundamente seguro para a inteligência dos fatos. Era um critério inteiramente científico, indispensável no começo da formação da doutrina, como ainda hoje o deve ser no seu desenvolvimento e muito lógico. Por isso, ele dizia muito bem que todo o ensino espírita que não tivesse sido sujeito a
certos processos de investigação e não apresentasse, sobretudo, esse caráter de universalidade, só poderia ter a importância de um juízo particular. Enquanto não fosse confirmado pela generalidade dos espíritos, não poderia fazer parte integrante da doutrina.
Allan Kardec: Œuvres Posthumes, págs. 307 e 308.
Vê-se, então, como Allan Kardec procurava resolver definitivamente certas questões. Ele as discutia primeiramente em artigos na Revue Spirite, com o fim de sujeitá-las à controvérsia e à opinião dos espíritos. Não era senão depois dessa prova, dispondo-se a abandoná-las ou desenvolvê-las, conforme fossem ou não acolhidas pela maioria deles, que seus resultados eram publicados nos seus livros,
como, por exemplo, a questão dos anjos decaídos e a da raça adâmica. Outras, ele as considerava simplesmente como hipóteses, ou porque não tinham sido ainda ratificadas pelos espíritos, ou porque não tinham ainda os foros de uma verdade já estabelecida, como, por
exemplo, a questão da geração espontânea permanente ou, mesmo, a da origem do corpo humano.
Com tudo isso, suas obras iam sendo sempre revistas, modificadas, ampliadas com comunicações noivas, capítulos novos, e ideias mais bem estudadas, quase se pode dizer, sob a fiscalização dos espíritos superiores.
Foi com esse método que Allan Kardec organizou e deu à estampa em 1857, sob a forma de questionário, O Livro dos Espíritos
(Le Livre des Esprits), livro donde surgiram os princípios fundamentais do espiritismo, e que deu lugar à publicação de outras obras, em que esses princípios foram completados e desenvolvidos.
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