Um filho estranho - Capítulo 4


Bernardone trabalhava com tecidos e ocupava status na sociedade italiana, graças ao expressivo progresso de sua empresa.

Nutria honroso desejo: ver seu filho também na crista dos grandes negócios. Francisco seria seu sucessor.

O comportamento do menino demostrava isso. Ele era inteligente, dedicado, comunicativo, alegre, extrovertido.

Mas, na medida em que ultrapassa a adolescência, começa a desinteressar-se pelos empreendimentos do pai, e entrega-se a uma vida de devaneios. Todo o dinheiro que lhe chegava às mãos era gasto em festas.

Tinha imenso e indisfarçável prazer em distribuir as alegrias espontâneas de sua alma. Comportava-se como príncipe popular.

Nessa ocasião a Itália parecia arquipélago cujas ilhas eram suas cidades cercadas de estranhos e inimigos por todos os lados. Isso gerava freqüentes guerras e conflitos, desagregando famílias e destacando o Cavaleirismo.

O bom cavaleiro na Europa da Idade Média equivale ao piloto de fórmula 1 da atualidade. E essa era a meta de Francisco.

Por ser espírito corajoso, descontraído e livre, buscava de alguma forma participar intensamente da vida social. Queria ser grande, mesmo que isso lhe custasse suor e sangue. Sentia-se intimamente líder acorrentado pelas contingências do destino.

Como aplacar ou direcionar esse potencial? Para onde seguia o rio de suas forças íntimas? Qual o fim de tudo?

Travou-se-lhe o conflito entre a centelha divina e a personalidade humana. Parecia não haver espaço para expansão dessa centelha.

Tudo em volta constituía convite aos prazeres sensórios.

Vacilante, Francisco deixa-se atrair, qual filhote de andorinha, pelos fortes ventos das ilusões.

Após alguns dissabores, eis que surge uma oportunidade promissora e honrosa para ele e
para a família.

Assis estava em guerra contra Perúsia. Sem relutância, o rapaz alista-se para defender
sua gente e, sob olhar esperançoso dos amigos e familiares, enverga a indumentária de
combatente, sobe ao cavalo e parte.

Não houve o sucesso que se esperava.

O vibrante soldado é raptado e preso pelos inimigos. Priva-se da liberdade que tanto amava. Mas, foi nesse cárcere, em Spoletto, que pôde meditar e refletir profundamente sobre

a complexidade da vida humana.

Quando certa noite procurava, intuitivamente, ouvir a música das estrelas, recebeu estranha visita.

A voz que o acompanhava a séculos, falou à sua alma, convidando-o a uma tomada de posição em consonância com a vontade de Deus.

Passam-se os dias e as noites, e as energias de Francisco são diluídas numa nova luz.

Quando retornou ao lar demonstrava íntima mudança. Pouco tempo depois adoeceu e novamente ouviu a doce e misteriosa voz.

O tempo passa enquanto acontecia um processo de incompatibilização entre ele e a posição social da família.

Numa bela tarde, quando cavalgava nas proximidades de Assis, encontrou um homem

com estranha aparência. Aproximou-se e viu que se tratava de leproso - pobre criatura a perambular pelos campos, em condições lamentáveis; trapo humano, sem forças, nem esperanças.

O filho de Bernardone cumprimentou-o respeitosamente e, profundamente comovido, desceu do animal e dirigiu-lhe palavras de fraternal carinho.

Sentia-se em drama íntimo. Quem será mesmo esse homem? Estou diante de um ser imundo ou de um filho de Deus, credor de toda a minha atenção?

Sem delongas, dissipando as nuvens da própria personalidade, pediu as mãos do hanseniano e beijou-as.

Agora o amor borbulhava em seu coração como gotas de luz.

Nesse sublime encontro com a dor alheia Francisco mostrava-se realmente transformado.
A flor surgiu do limo, em terra inculta,
mas com o tempo foi criando raízes e desabrochou,
sendo acariciada pela brisa da paz;
e assim passou a exteriorizar seu perfume
no espaço de todos os corações.
O Mundo de Francisco de Assis. Espírito Rabindranath Tagore. (Psicografado por Ariston S. Teles)

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