O termo Umbanda e seus valores pelo lado Africano


Escrito por W.W. da Matta e Silva (YAPACANI)

É um fato que os Cultos Afros, ou melhor, que os rituais de nação que os primitivos escravos negros fizeram ressurgir no Brasil “a grosso modo”, isto é. como souberam e puderam (em face das condições que vieram e que encontraram e mesmo porque, jamais conseguiram importar sacerdócio organizado), sempre mereceram a observação e o estudo de muitos pesquisadores.

Porém, nenhum desses pesquisadores, antropólogos, etnólogos etc. revelaram em suas obras serem Iniciados e nem tampouco deixaram entrever cultura esotérica, o que foi de se lamentar, pois, talvez tivessem penetrado mais a fundo nos conceitos místicos e religiosos espelhados nesses rituais de nações afros que foram crescendo e se firmando até se transformarem nos famosos Candomblés.

Todos esses pesquisadores — repetimos — se pautaram apenas na observação externa daquilo que foram vendo, ouvindo e perguntando, ou seja, na observação da exteriorização mística e anímica de suas vivências religiosas e mágicas, através de ritos primitivos, fetichistas e deturpados de suas origens.

Isso aconteceu desde Nina Rodrigues (“Os Africanos no Brasil — 1894 e “L’Ânimisme Fetichiste des Negres de Bahia” — 1900); João do Rio (“As Religiões no Rio” — 1904); Manoel Quirino (“A Raça Africana e seus Costumes na Bahia” — 1917); Donald Pierson (“Brancos e Negros na Bahia” — 1935); Roger Bastide (“Imagens do Nordeste Místico” — 1945); e outros mais que ainda vamos citar.

Vale ressaltar a bem da verdade e do valor de suas obras que, mesmo não sendo iniciados e nem tendo cultura esotérica, fizeram um excelente trabalho de pesquisa, pois todos registraram os conceitos místicos e os termos sagrados com seus significados que encontraram de vivência atuante.

Então, seria um incrível e absurdo lapso não terem captado e registrado a palavra que denominasse um sistema religioso, e ritualístico em qualquer um desses rituais de nação ou Cultos.

Não o fizeram porque não encontraram mesmo. E foi por isso que nenhum desses antigos pesquisadores registraram o termo UMBANDA e nem mesmo o de Quimbanda ou Kimbanda.

Voltemos a João do Rio: — esse pesquisador que se dedicou ao estudo dos cultos de nação e da mística religiosa dos negros de origem Banto (Congo-Angola etc.) nessas áreas em que mais íoram localizados, quais sejam as da antiga capital do Rio de Janeiro (antiga Guanabara) e no antigo Estado do Rio de Janeno (zona de Niterói etc.), não encontrou entre eles esses termos Umbanda e Quimbanda significando coisa alguma. E notem. — esses ritos e essas místicas, naquelas épocas, deviam estar mais
puros, isto é, menos mesclados ou influenciados. Digamos assim: — com o seu primitivismo mais vivo em suas lembranças...

Todavia, muitos anos depois (de 1904), uns 30 ou 32 anos, dois ilustres estudiosos dos costumes dos negros no Brasil, o Prof. Arthur Ramos, desviando-se um pouco para os terreiros de macumbas cariocas, na sua obra “O Negro Brasileiro” — 1934, diz por ali ter encontrado os termos Umbanda e Embanda do mesmo radical mbanda, de significações mais ampliadas. Diz ele: “Umbanda pode ser feiticeiro ou sacerdote”, e logo a seguir o Prof. Edison Carneiro (em “Religiões Negras” — 1936), diz também ter registrado num cântico de um Candomblé de Caboclo os mesmos termos Umbanda e Embanda.

Claro! Nessas alturas, em inúmeros terreiros essa palavra mágica já tinha surgido ou já tinha sido lançada (questão que abordaremos em suas razões na parte que trata do lado brasileiro). Ainda dentro dessa linha de pesquisa (lado afro) vamos encontrar a existência do termo Umbanda ou a sua eventual vivência, lá na zona de Angola, porém, somente nas páginas de dois livros, um do ano de 1894 e outro de 1934. Isso nos levou a dúvidas, lacunas e vazios, incompreensíveis... Senão, vejamos.

Em 1894, Hely Chatelain escreveu um livro em inglês, intitulado “Folk Tales of Angola” (“Narrativas do povo de Angola”), onde, na pág. 268, consta a palavra Umbanda como Força, Expressão e Regra de altos valores. E notem: — até esse citado ano foi o único que conseguiu descobrir esse termo e o fez assim: _ “Umbanda is derived from Ki-mbanda, by prefix U, as u-ngana ls from ngana. A) Umbanda is: the faculty. Science, art, Office, business — a) of healing by means of natural medicine (charms);
b) of divining the unknow by Consulting the shades of deseased’, of the genii, demons, who are espirits neither human for divine; c) of inducing the human and not human spirits to influence men and nature for human weal of woe. B) The force at works in healing, divining, and in the influence of spirits. C) The objects (charms) which are supposed to establish and determine and world”me t the connection between the spirits and the physical world.

traduzido: — “Umbanda deriva-se de Kimbanda pela aposiçao do prefixo U, como u-ngana vem de ngana. A) Umbanda é a faculdade, ciência, arte, profissão, ofício de: a) curar por meio de medicina natural (plantas, raízes, folhas, frutos) ou da medicina sobrenatural (sortilégios, encantamentos); b) adivinhando o desconhecido, pela consulta à ama dos mortos ou aos gênios ou demônios, que são espíritos, nem humanos nem divinos; c) induzindo esses espíritos, humanos ou não, a influir sobre os homens e sobre a natureza, de maneira benéfica ou maléfica.

B) As Forças, agindo na cura, adivinhação e na influência dos espíritos. C) Finalmente Umbanda é o "conjunto de sortilégios que estabelecem e determinam a ligação entre espíritos e o mundo físico.

Nessa altura teremos que analisar os citados vazios e lacunas incompreensíveis. Conforme o próprio título do livro de H. Chatelain revela, “Narrativas, Lendas ou Mitos do Povo de Angola”, é surpreendente tal definição; ele não aponta nenhuma fonte sagrada ou religiosa que a tivesse dado ou induzido a tal; mas o fato é que ele conseguiu definir Umbanda assim, e, das três, uma: — ou ele foi inspirado (do que duvidamos), ou obteve essa informação de alguma fonte secreta (o que não é improvável, dado a que povos de raça negra, de acentuado tradicionalismo religioso e místico, tivessem conservado a lembrança do significado desse termo Umbanda, desde quando, há milênios, foram se desviando ou imigrando de seu berço, — a Ásia, isto é, de certas regiões desse Continente, para o solo africano, devido às guerras e injunções políticas. Lá teriam aprendido a Ciência Esotérica ou a Cabala dos Patriarcas (de que falaremos adiante), e mesmo ainda, a teriam aprendido de RAMA, desde quando ele conquistou várias regiões da África, implantando sua Doutrina) ou a colheu mesmo, entre os Akpalô. Os Akpalô são contestas, ou “conteurs” de histórias, que formam uma espécie de casta, e transmitem oralmente, auxiliados pelo prodígio de sua memória, os fatos que mais interessam as massas. As antigas tradições iniciáticas contam que era essa a forma pela qual eram transmitidas as noções esotéricas de casta para casta.

Agora entremos com nossas induções e deduções, para tirarmos de vez a mania daqueles que pretendem ligar diretamente essa Umbanda do Brasil a uma pseudo-Umbanda africana ou angolense.

De 1894 a nossos dias (1978), nenhum Culto. Seita ou Ritual foi conhecido ou praticado ou que ainda se pratique com a denominação de Umbanda, naquelas terras de Angola, Moçambique, Catembe e Magude, essas duas últimas, consideradas como a Meca do curandeirismo africano. Nesse período não se identificou nenhum sistema religioso ou mágico a que dessem o nome de Umbanda, nem mesmo no sentido mais simples de arte de curar ou de curandeirismo e muito menos ainda no sentido amplo, eclético, com os valores que H. Chatelain descobriu...

Assim afirmamos devido a vários estudos e pesquisas intensas de pessoas amigas, processadas nessas áreas africanas citadas durante anos e que tudo esmiuçaram, somente encontrando o termo Umbanda, justamente naquelas mesmas páginas 268 de “Folk Tales of Angola” e 107 da “Gramática Quibundo” de José L. Quintão — 1934, que diz ali, simplesmente — Umbanda, arte de curar, de Kimbanda, Curandeiro. Evidente que apenas copiou ou melhor, extraiu assim do outro.

Até agora ressaltamos fatores de 1894 para cá. Agora vamos levar o leitor para trás, muito para o passado. Em 1643 já existia um Catecismo Quibundo, de Frei Antônio do Couto, da Companhia de Jesus, já traduzido de outro Catecismo póstumo de um outro Frei Francisco Pacônio. Esse Catecismo foi impresso por Domingos Rosa (Lisboa) e reeditado ainda em 1661 e depois em 1784, e no qual apesar de ser um catecismo, registrando termos religiosos e relativos ao sobrenatural, não se encontrava a palavra Umbanda e nem Kimbanda.

Já em 1859, surgiu um trabalho mais amplo, mais completo, também escudado naquele, do Frei Bernardo Maria de Cannecattin, intitulado “Coleções de Observações Gramaticais sobre a Língua Bundu ou Congolense”, contendo também um “Dicionário abreviado da Língua Conguesa”, com centenas de vocábulos e dezenas de frases, com 174 páginas, onde constam palavras de valor religioso e sobrenatural assim como: — Alma em congolense é MU-BUNDU; Alma em Quibundu ou Bundu é MUÉNHÚ (pág. 120); Encarnação em congolense é LUEMITA e Encarnação em língua Bundu é OCUIMITA (pág. 130); na língua conguense ou conguesa sangue é MENGA (pág. 145); Ofender a Deus na língua conguesa se diz SUMUCA — ZAMBI e na língua Bundu se diz CALEBULA — ZAMBI; o Sacerdote na língua Bundu se diz N’GANGA (págs. 4 e 8); o Espírito em Mundu ou Quibundu se diz NGÁCHACHÁ (pág. 8); e finalmente para clarear mais ainda a mente do leitor, na língua Bundu, o termo QUIMBANDA (pág. 103) significa apenas o impotente e IBANDA significa os impotentes, e na pág. 120 vê-se que na língua conguesa BANDA significa apenas BARRETE e em Bundu, barrete é N’BANDA. Não conseguimos enxergar o termo Umbanda e nem Ubanda nessa antiqüíssima obra.

O escritor Cavalcanti Bandeira, um ardoroso defensor e pesquisador da Umbanda africana, no seu afã de prová-la, confundiu-se todo, po’s crê ter detectado nessa mesma obra que pesquisamos (do Frei Cannecattin) a palavra Ubanda significando Barrete. Cremos que ele teve uma “visão semântica” trocando o N de nbanda pelo U. Vide sua obra de 1961, “UMBANDA-Evolução-Histórico-Religiosa”, pág. 38 e a outra sua, “O que é a UMBANDA”, pág. 30. Nessa ele foi no além, grafando Umbanda como significando Barrete. Quem quiser comprovar o que estamos esclarecendo aqui, é só ir à Biblioteca Nacional.

Veja portanto, o irmão leitor umbandista, por que dissemos que há dúvidas e lacunas. Quando se estuda ou interpreta o linguajar, o dialeto ou a língua de um povo ou tribo etc., evidente que os termos que mais interessam de imediato são os de sua cultura religiosa.

Se interpretaram e traduziram os nomes de Deus, Alma, Espírito etc., como poderiam deixar escapar um termo tão forte, qual seria o que representasse o seu sistema religioso e no caso’ o termo Umbanda — tal e qual representou 251 anos depois H. Chatelain? Isso justamente quando a cultura de um povo está mais pura, mais viva em suas lembranças e tradições. Absurdo um lapso dessa natureza. Um simples exemplo: ZÁMBI que há milênios significa o mesmo DEUS entre esses povos ou tribos, foi logo registrado.

Agora, tudo o mais que possa ter surgido na literatura, em revistas, livros, discos etc., em terras de África ou mesmo em outros lugares, é moderno, foi encaixe, ou seja. por motivação do
intercâmbio Brasil — Portugal e antigas Colônias, dado a força e ao prestígio na vivência popular brasileira da UMBANDA, de uns 50 anos para cá...

Já em 1957, tivemos correspondência com pessoas de Angola, Moçambique e Lourenço Marques, que já conheciam as obras de João de Freitas, Lourenço Braga, ambas de 1939, e a nessa de 1956 “Umbanda de todos nós”, que queriam saber mais sobre essa Corrente poderosa chamada de Umbanda, no Brasil...

Porém, o todo exposto não invalida de forma alguma o que já havíamos dito, há 21 anos atrás, na obra acima citada, pág. 32: “Esse termo UMBANDA perdeu o seu significado real nas chamadas línguas mortas, desde o citado Schisma ds Irshu, quando tudo foi ocultado. Somente as raças africanas por intermédio de seus Sacerdotes Iniciados, como dominadores que o foram da raça branca, guardaram mais ou menos sua origem e valor. Porém com o transcorrer des séculos, foram dominados, também, e seus ancestrais que guardavam a chave-mestra desse vocábulo Trino desapareceram, deixando uma parte velada e outra alterada, para seus descendentes que, em maioria, só aferiam o sentido mitológico perdendo no fetichismo o pouco que lhes fora legado”.

E para fecharmos essa parte que tratou da pesquisa pelo lado afro, perguntamos ao leitor o seguinte: Quem ressuscitou no Brasil o termo Umbanda. Sabe? Não? Pois vamos lhe adiantar desde já — foi a Corrente Ameríndia nossa, nos terreiros, através das Entidades ditas como Caboclos. Por quê? Vejamos na parte seguinte.

(Extraído do livro: Umbanda e o poder da mediunidade, por W. W. da Matta e Silva (Yapacani) 2. ed. revista e aumentada. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1978.)

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